segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O Natal não é para os covardes

O Natal não é para os covardes  
Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil, 22 de dezembro de 2005 

Na constituição americana não há nenhum "muro de separação" entre religião e Estado. Quando Thomas Jefferson criou essa expressão, foi para proteger as igrejas contra o Estado. É só num mundo pós-orwelliano que ela pode ser usada como pretexto para legitimar a repressão estatal da religião.
Mas o confinamento mesmo de Deus na esfera "religiosa", Sua exclusão dos debates científicos e filosóficos, que hoje até mesmo os religiosos aceitam como cláusula pétrea da ordem pública, já é uma herança mórbida da estupidez iluminista. O "muro de separação" entre conhecimento e fé é uma farsa kantiana erguida entre dois estereótipos.
Afinal, por que um sujeito tem fé na Bíblia? Tem porque acha que ela é a Palavra de Deus. Mas por que ele acha que ela é a palavra de Deus? É porque tem fé nela? Esse círculo vicioso exigiria uma capacidade de aposta no escuro que transcende os recursos da média humana. A fé não surge do nada, muito menos da própria fé. É preciso um indício, um sinal, um motivo racionalmente aceitável para acender na alma a chama da confiança em Deus.
 A definição mesma da "fé" como crença numa doutrina é perversão do sentido da palavra. A doutrina cristã formou-se ao longo dos séculos. OS PRIMEIROS FIÉIS CONFIARAM EM JESUS ANTES DE SABER NADA A RESPEITO DELA. NÃO ACREDITAVAM NUMA DOUTRINA, CONFIAVAM NUM HOMEM.
 E POR QUE CONFIAVAM NELE? ELE PRÓPRIO EXPLICOU ISSO. QUANDO JOÃO BATISTA, DA CADEIA, MANDA PERGUNTAR SE ELE É O ENVIADO DE DEUS OU SE SERIA PRECISO ESPERAR POR OUTRO, JESUS NÃO RESPONDE COM NENHUMA DOUTRINA, MAS COM FATOS: " VÃO E CONTEM A JOÃO AS COISAS QUE VOCÊS OUVEM E VÊEM: OS CEGOS ENXERGAM, E OS PARALÍTICOS ANDAM; OS LEPROSOS FICAM LIMPOS, E OS SURDOS OUVEM; OS MORTOS SÃO RESSUSCITADOS, E OS POBRES RECEBEM BOAS NOTÍCIAS. E BEM-AVENTURADO É AQUELE QUE NÃO SE OFENDE COMIGO ." O que esses versículos ensinam é que a fé é apenas a confiança em que Aquele que devolveu a vida a alguns mortos pode devolvê-la a muitos mais.
 É um simples raciocínio indutivo, um ato da inteligência racional fundado no conhecimento dos fatos e não uma aposta no escuro. A única diferença entre ele e qualquer outro raciocínio indutivo é que a conclusão a que ele conduz traz em si uma esperança tão luminosa que toda a tristeza e o negativismo acumulados na alma se recusam a aceitá-la. A alma prefere apegar-se à tristeza e ao negativismo porque são seus velhos conhecidos.
São a segurança da depressão rotineira contra o apelo da razão à ousadia da confiança. O QUE SE OPÕE À FÉ NÃO É A RAZÃO, É A COVARDIA. Para legitimar essa covardia ergueram-se masmorras de pseudo-argumentos. No fundo delas, o leproso lambe suas chagas, o cego adora sua cegueira, o paralítico celebra a impossibilidade de caminhar. Os pobres, imaginando-se reis e principes, festejam a rejeição da boa notícia. ORGULHOSOS DA SUA IMPOTÊNCIA, ADORNAM COM O NOME DE "CIÊNCIA" A TEIMOSIA DE NEGAR OS FATOS.

 Mas seu exemplo não frutifica. Setenta e cinco por cento dos médicos americanos acreditam em curas miraculosas. Acreditam não só porque as vêem, dia após dia, mas porque sabem ou ao menos pressentem que atribui-las à auto-sugestão ou à coincidência seria destruir, no ato, a possibilidade mesma da pesquisa científica em medicina, que se baseia inteiramente no pressuposto de que auto-sugestão e coincidência não têm um poder maior que a intervenção terapêutica fundada no conhecimento racional das causas.  

O MAIOR ESCÂNDALO INTELECTUAL DE TODOS OS TEMPOS É A FRAUDE CONSTITUTIVA DA MODERNIDADE, QUE, EXCLUINDO DO EXAME TODOS OS FATOS QUE NÃO TENHAM UMA EXPLICAÇÃO MATERIALISTA, CONCLUI QUE TODOS OS FATOS TÊM UMA EXPLICAÇÃO MATERIALISTA.   A dose de miséria mental em que um sujeito precisa estar mergulhado para gostar desse lixo não é pequena. O Natal é o lembrete cíclico de que esse destino não é obrigatório, de que existe a esperança racional de alguma coisa melhor. Por isso há quem deseje eliminá-lo: para que o chamado da esperança não fira o orgulho dos covardes.

Sânia


"A fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida.
Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar o seu caminho.
"
Papa Bento XVI